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As aulas de natação de Narciso

Narciso sobreviveu. Após o susto, que apanhou quando caiu no rio, viu-se obrigado a ter aulas de natação, pois não iria deixar de ver o seu belo rosto refletido nas águas que quase o engoliram. 

Revelou-se, desde início, um péssimo aluno, e nadador. A começar pela recusa diária do uso de touca e óculos de natação, dizia que lhe desfiguravam a face, que não se reconhecia quando olhava para o seu reflexo. 

 Nos balneários, exigiu o cacifo mais próximo dos lavatórios com espelho para se ver enquanto trocava de roupa, ou se secava. E o mesmo com os chuveiros, esquecia de se lavar pois ficava a olhar para a sua cara no ralo do duche. E não vamos falar do tempo que ele despendia na casa de banho, pois distrai-se com a sua face na água da sanita. 

Narciso mostrava ser capaz de nadar. Estava rodeado daquilo que o distraía e que quase o matou. Recusava-se até a fazer os exercícios, como os que envolviam nadar debaixo de água, pois deixava de ver o reflexo da sua cara na piscina, e era essa a sua única motivação. 

O pior, principalmente para a equipa, eram quando treinavam mergulho a partir da prancha, Narciso ficava simplesmente a olhar-se, de um muito melhor ângulo do que quando estava na água. 

Narciso desistiu da natação. Aprendeu apenas o suficiente para sobreviver futuros afogamentos. E levou consigo uma boia. 

Por Afonso Abreu

nasceu no Funchal, em 1999. Aos dezoito anos, decidiu mudar-se para Lisboa para estudar teatro; estando a terminar a licenciatura na Escola Superior de Teatro e Cinema. A sua presença em palco é tão forte que em vez de estar a fazer um espetáculo, está a escrever contos para uma publicação. Gosta demasiado de doces, talvez por influência do avô pasteleiro, mas tem medo de se tornar diabético, como o avô pasteleiro. No secundário descobriu que tinha apetência para roubar chocolates na máquina de snacks. A última coisa que roubou, há dois anos, foram elásticos de cabelo numa loja de roupa barata que explora crianças no Bangladesh.

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