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Finisterra

Olá, como estás? Há já algum tempo que que não falamos e por isso pensei que seria uma boa altura para trocarmos dois dedos de conversa. Eu bem sei, o tempo passa e tu não dás por ele, mas na verdade eu sinto o tempo a passar cada momento, hora, mês e ano e vejo o que andas a fazer com o teu tempo e, para ser sincera, não estou impressionada.

Quer dizer, tenho-te dado tudo, literalmente tudo para que possas ter uma vida plena, mas o que tens para mim são só abusos e uma tal violência que me pergunto se realmente tens alguma consideração por mim. Podes não ter notado mas por mais forte que possa parecer, na verdade eu sou bastante frágil. 

Sabes o quão complexo é o meu corpo e por isso não gosto de o expor. Ele é a tua área de prazer e dele retiras tudo o que precisas para sobreviver. Mas tu abusas constante e conscientemente. Esqueces-te que a minha pele, tal como a tua, sente e vive tudo o que lhe andas a fazer. Ela absorve tudo: os golpes, os cortes e as queimaduras sem razão. O tempo tudo sara, mas os teus abusos são regulares e a cada agressão a regeneração é cada vez mais difícil. Ainda assim, ela guarda os meus segredos e separa o que lhe acontece à superfície do que está no seu interior. Ultimamente andas fã da exploração profunda, procurando arrebentar-me das entranhas, como se isso te desse um prazer supremo. Esqueces-te que a minha pele, como a tua, sangra com cortes profundos. A minha pele, como a tua demora a sarar e enquanto não sara, o meu sangue verte sobre a minha pele até que a crosta seque. Mas ainda assim o meu sangue alimenta e traz vida à minha pele. 

Noto que a minha pele descansa mais onde tu não estás. Ou quando há menos de ti. Lá ela segue o seu curso, descansa, cria, sara e segue em paz. Na verdade, o que realmente me desequilibra és tu. Tu, que não encontras um motivo para apreciar o que tenho e deixo para ti. Tu e essa sede insaciável. 

Pergunto-me se esta pele fosse tua, terias o mesmo descuido por ela? 

Por isso da minha parte, já chega. Alguém tem de mudar e tomar uma atitude e como não vais ser tu, serei eu a dar o passo. Não é a primeira vez que tenho de me separar de alguém para me poder curar e ficar melhor. Dei-te as pistas todas e nunca compreendeste o que para aí vinha. Agora vou começar a fazer aquilo que é melhor para mim.    

Fim, A Terra

Por Dário Muhamudo

Nasceu em Moçambique e passados 7 meses foi convidado a sair. Chega a Portugal depois de 10 horas de avião, uma experiência que o marcou e desde então vive com os olhos virados para o céu. No Seixal arriscou um pouco de teatro como ator e dramaturgo. 18 anos depois chega à Guarda, onde inicia a sua formação académica. Descobre a essência e a paixão pelas coisas originais e recomeça a escrever como jornalista. Sai de Portugal para continuar os estudos em Inglaterra e combina os seus interesses maiores: comunicação e economia. A vida trocou-lhe as voltas e continuou fora de Portugal. Gosta de viajar (especialmente para Itália), de vulcões, da imensidão do oceano e da Eurovisão. Cumpriu um dos seus maiores sonhos quando tirou o brevet de piloto. É Economista dos Media, tenta ser diplomata e acredita no poder de uma Serenata. Atualmente pode ser encontrado em Genebra, a cidade a que chama de casa.

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