Quero contar um conto que seja muito interessante, mas tudo o que me aparecem são personagens miseráveis que como numa roda louca aparecem. Cada uma com o seu problema e todas me gritam aos ouvidos:
- Quero que me ouças e me fales.
- Dança comigo como se não houvesse amanhã.
- Mergulha no mesmo mar que eu, como sereia, banho-me aqui, todos os dias.
E assim continuam a falar coisas sem fim, como se eu conseguisse reportar todas as suas vozes. E como não consigo, perco-me em algumas, vendo imagens sem fim de suas vidas. Ou pelo menos as vidas que consigo ver em apenas uma frase.
Alguém que me pede para ouvir, é alguém que não tem ninguém para falar e por isso empresto o meu ouvido, empresto também a minha alma para que possa sentir-se em casa. E assim, prossigo a ouvir as palavras de alguém que me quer despejar coisas como: tenho caspa e não sei como resolver. Às vezes é nítido, que tudo o que precisa é de falar. Outras, é possível confundir com necessidades que soa a necessidades reais. “Tenho fome e não tenho como comer.”. É nesta altura que me levanto e pego nas chaves de casa para correr a um supermercado e colecionar no carrinho de compras tudo o que esta mulher, esta voz feminina, sopra ao meu ouvido. O pior é que quando chego à porta não sei onde me dirigir, porque não sei se de facto esta mulher existe. Sei apenas que me grita ao ouvido. Acabo por trazer as compras para casa, etiqueto como: mulher desesperada.
Por outro lado ouço tantas vezes aquela que me pede para dançar com ela, e como não sei do que gosta ela, vejo vezes sem conta, a minha lista de música e escolho para ela umas 7 músicas. Músicas que oiço em loop o dia todo, mas que escolho para que cada um dos dias da semana se possa cantar uma diferente. De facto, se esta mulher tiver o mesmo problema que eu, irá ouvir tudo, de uma vez só. Sou viciada em consumos musicais. Continuo, no entanto, a ouvi-la a pedir para que eu dance com ela, e por isso faço-lhe esse favor e danço.
Em jeitos envergonhados, ao ver o mar na minha frente vou despindo a roupa até nada sobrar, faço-o sem perceber se está alguém a ver. Contudo, no final, acabo por olhar ao meu redor para confirmar se estou a ser vigiada. Nada. Ninguém. Então falo, como se alguém me estive a ouvir, danço até entrar no mar e mergulho desejando ser uma sereia.
Sou alguém que vive entre o mundo das vozes e o mundo da consciência, onde tudo é tão mau que chego a implorar para que essas vozes voltem, estranho que sejam sempre vozes de mulheres e que por incrível que pareça eu quase diria que sou eu. Porém, sou alguém tão consciente e normal que nunca me permitiria ser essas mulheres que querem ser ouvidas, ou aquelas que dançam como se não houvesse amanhã, muito menos aquelas que mergulham no mar para nadar como sereias. Afinal: sereias, dizem que não existem.