O Tempo está muito cansado, visto que ele cura tudo. Nem imaginam como são tantas as dores de cabeça que um mundo inteiro de gente com problemas por resolver coloca em cima do Tempo! Este mar de gente está portanto a contar com o Tempo para que ele mesmo resolva. Talvez por isso, ele agora tem uma única cor: branco. Ele é branco nas barbas, no cabelo, e até as brancas que se lhe aparecem sobre as memórias são em branco.
Vive num sótão onde mais espaço para ele se mover, não há. O Tempo é colecionador de dores, certo também que tem alegrias pelo sótão. Coleciona memórias de todo o tipo, mas o espaço, começa a escassear e por ser tão acumulador as memórias encaixam-se umas em cima das outras causando alguns apagões, o pior é que com tanto caos o Tempo já se arrasta, não lhe é possível processar os dados com a mesma rapidez, o espaço é curto e a memória disponível também.
Sendo que o Tempo, gosta de tomar conta de tantos, ele fica então sem mãos a medir. Por vezes acontece que encontra cacos ao seu redor e com muita calma e paciência junta caco a caco para voltar a fazer o vaso. Ainda assim o vaso nunca mais é como dantes, o Tempo fica triste e essa tristeza faz-se sentir nas suas barbas que sendo brancas, sem ponta de cor pelo meio, acabam por crescer. Então o Tempo agora é um velho de barbas e cabelos brancos, extremamente gigantes.
A dado momento o Tempo tropeçou num molhe de cartas de amor, dois jovens de 15 anos eram as figuras das cartas, por estranho que pareça, ele só tinha um remetente e um recetor, cartas de uma só via. O Tempo perguntou-se: “Porque é que seria que a um molhe cheio de cartas de amor não se lhe apresentava resposta alguma?”. Possivelmente as respostas estariam perdidas naquele sótão pejado de feridas à espera de ser curadas. Visivelmente estas cartas de amor tinham muito por onde querer sarar. Entre encontros marcados e não acontecidos, até vergonhas alheias a impedir manifestações de amor e claro a típica timidez do primeiro amor.
A última carta surgia também ela incompleta:
Querido Jorge:
Hoje, não consigo falar porque as palavras ficaram presas na poça de lágrimas que surgiu na festa de finalistas. Estava feliz, disso eu lembro, até ler as palavras que me escreveste, com elas não vejo o futuro…
Esta última carta fica-se por aqui e o Tempo ficou desesperado porque não via mais cartas. Foi à procura delas no sótão, por todo o lado, remexeu até em factos menos distantes, porém, nada de encontrar o fio à carta. O Tempo não sabia o que lhe fazer, também não sabia como ajudar nesta situação. Com tanto trabalho para fazer, curas para apresentar, outras memórias e factos para arrumar naquele imenso sótão, o Tempo ficou sem movimentos pela carta de amor de Maria para Jorge, dois amados de primeira viagem.
Entre uma carta e outra o Tempo resolveu brincar ao tempo e acabou por baralhar datas, baralhou-as de tal forma que o encontro marcado para 2000-10-03 acabou por ficar marcado para 20-01-30. Este acontecimento foi ao acaso, contudo, aconteceu. Foi então que finalizado este deslize temporal que ao olhar para o seu lado o Tempo encontrou uma carta que não existia até então. Era Jorge que a escreveu a Maria, o que dizia nessa carta, o Tempo não me revelou, disse porém: “Mais uma que o Tempo curou.”.