Ainda não me tinha sentado à mesa, já a senhora me estendia o menu. Agarrei-o enquanto me ajeitava na cadeira. Pressionada, apressei-me.
– Pode ser um prego, por favor.
– Bem passado, mal passado?
– Assim assim.
– E uma sopinha, para aconchegar?
– Obrigada, mas não me traz grande aconchego. Gosto pouco de legumes.
– E uma canjinha, não vai?
Hesitei.
– Que massa usam na canja?
A senhora ficou confusa. Justifiquei-me:
– Gosto de comer letras.
A mulher retirou-me o menu da mão, desconfiada.
– Comer letras?
– Na canja, por exemplo. A minha massa preferida é a de letras.
A senhora pareceu aliviada.
– Ah, essas letras!
– E outras. Letras, de um modo geral. Gosto muito de ESSES. Não nego aquelas bolachas que parecem ÓÓÓÓÓÓÓÓS…
– Ah, pena. Usam cuscus.
– Que chatice.
– É só o preguinho, então?
Encolhi os ombros. A conversa abriu-me o apetite para letras. Estava capaz de comer palavras inteiras e digeri-las até serem algo maior. Perante o meu desânimo, a senhora tentou remediar:
– Quer espreitar novamente o menu?
Anuí. O menu tinha letras, podia enganar a vontade, mas li, reli e continuei augada.
– Não tem nada mais palavroso que me possa servir?
– Quer um jornal?
Hesitei.
– Apetecia-me um poema.
A senhora pareceu enrascada.
– Bem passado, mal passado?
– Que me faça passar bem.
A senhora assumiu a missão, abeirou-se da cozinha e gritou por um poema. O cozinheiro não demorou a chegar à minha mesa. De peito firme e mãos guardadas atrás das costas, fechou os olhos como se me fosse cantar um fado e recitou-me Saramago:
– Não era hoje um dia de palavras,
Intenções de poemas ou discursos,
Nem qualquer dos caminhos era nosso.
A definir-nos bastava um acto só,
E já que nas palavras me não salvo,
Diz tu por mim, silêncio, o que não posso.
Depois de servido o poema, o cozinheiro fez uma vénia tímida e saiu para dar lugar à senhora, que entretanto me trazia o prego.
– Era o poema que me apetecia e fiquei cheia. Pode embrulhar, por favor?