“Vais conseguir sobreviver se um dia deixarmos de falar?” disse ele. O que ele não sabe é que já sobrevivi.
Ouvi, incrédula, as suas palavras. Gostava de ter uma conta certa sobre quantos anos desde o dia em que me encostou à parede e me deixou sem ar, porém, são tantos que já nem mesmo consigo contar. Para ele, nitidamente parece que foi ontem, para mim sei que já nem mesmo pelos dedos se conta as vezes que estivemos juntos. Certo, contudo, que são vezes esporádicas, momentos sem compromisso, momentos de loucura. No entanto, são momentos, vários, muitos, diversos, demais, demasiados para serem ignorados.
Sei precisamente como começou, onde começou, o que senti. Sei precisamente as palavras que se seguiram: “Pena que não se repita este momento por mais vezes.”. Ironicamente, anos volvidos, acabei de ouvir esta mesma frase. Desta vez acompanha por: “Vais conseguir sobreviver se um dia deixarmos de falar?”. A quem se dirigia esta pergunta? A mim ou a ti? A quem queres que ressoe? Em mim, ou em ti? A quem queres convencer do término destes encontros intensos, loucos e inebriantes?
Vamos ver se nos entendemos de uma vez por todas, no dia em que te recusaste a descer do teu apartamento porque tinhas que cuidar do gato. Parece ridículo e é. Foi, para mim, portanto muito esclarecedor. Podes, agora, dizer que o gato foi operado. Podes ainda acrescentar que ele precisava de supervisão, que tinha medicação, que uma série de procedimentos seriam necessários. Ainda assim, não vais dizer que não poderias descer de tua casa para me acompanhar num café, no café do lado. Vais, portanto, dizer que nunca saías de casa, para nada. Absolutamente nada? Para mim foi o momento em que disse adeus à paixão que sentia por ti. De então para agora posso dizer-te que mudou uma coisa: aquilo que sinto por ti com relação àquilo que seria “nós”.
Perguntaste-me, há alguns anos, num daqueles dias em que sabias que terminaríamos para sempre estes encontros “O que vês no futuro para nós?”. Disse e repito: não há nós, apenas momentos e uma ligação que nenhum de nós consegue explicar e que num raio de proximidade funciona como um íman. Ponto.
Estou clara quanto a isto. Não gostas da forma como me tratas, eu agradeço que me trates desta forma, distante, isso mantém a distância. Não gostas que aconteça, apenas e só depois de acontecer, entendo, estamos na mesma página. Desagrade-me plenamente que aconteça, porém, apenas e friso apenas depois de acontecer. Porque nos falta transparência? Temos vindo a trabalhar na transparência, sendo que, gostava de dizer que vamos chegar lá, mas sinceramente não sei. Ainda assim, somos partes de um nós que nunca existiu e vamos caminhando paralelamente com desvios perpendiculares, numa equação matemática impossível e numa propriedade física inerente à nossa situação.
O gato mia e eu sobrevivi.