“Sou chamada à Terra sempre que o voo vai alto demais.” – disse Clarice num belo dia de sol na esplanada enquanto tomava o seu Gin preferido.
Importa dizer que ao certo nem me recordo qual o contexto desta citação, lembro apenas dela e das imagens que me surgiram. Para além do óbvio, do Gin fresco no copo grande e largo, das gotas de água a deslizar pelo vidro, sinto gotas na minha testa. Não são os 40 graus que se fazem sentir, é aquele frio na barriga que faz escorregar as gotas na testa.
Vá-se lá saber porquê, mas Clarice trouxe-me memórias que queria apagar e podem crer, quanto bebi para que acontecesse um apagão geral dentro de mim. Mas o álcool apaga apenas o que deve ficar. Bebi quase até destruir as células que há em mim, e ainda assim, manteve-se o frio que me faz derreter.
Não tenho motivos para transgredir limites, também prefiro não definir todos os limites, muito menos pormenorizadamente. Quanto mais sei o que fazer, menos quero saber. Mais me floresce a vontade de transgredir e sou chamada à Terra cada vez que perto estou de passar esses limites. Quais? Nem mesmo sei. Sendo que os há, há. Se um dia ao acaso os passar, posso sempre justificar que não sabia. Ou será que terei a mesma resposta que o governo português dá aos seus cidadãos: “Não é permitido alegar desconhecimento da lei.”. Tenho eu o direito de alegar desconhecimento se nunca definir limites, se nunca os colocar num edital? Possivelmente. Para qualquer um dos lados.
Sou chamada à Terra cada vez que as gotas me escorrem e os movimentos se descontrolam. Sou chamada à Terra quando por perto, por tão perto não ultrapasso o limite. E se bem que me perguntei qual é o limite, terei o cuidado de não o pronunciar, nem aqui nem em lado algum, para que nunca possa ser dito que foi fixado. Caso contrário não poderei declarar desconhecimento. Sou chamada portanto no momento no momento em que Clarice diz que é chamada à Terra sempre o que o voo é alto demais.
E se por momentos eu até me deixo voar. O telemóvel toca. Como agora. Trimmm.