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Crónica

Nome Próprio

O que há em mim é sobretudo cansaço —

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.

Álvaro de Campos 

O meu nome é Cansaço, apenas e só Cansaço. Há quem tenha mais de um nome, porque agregado ao nome próprio segue os de família, da mãe e do pai. No meu caso, sou apenas Cansaço. 

Órfão de pai e mãe, conheço-me por cansaço, não sei portanto as minhas origens. Não posso dizer de quem ou de que derivo, em mim há apenas Cansaço. Como será possível que haja quem vá ao século, sei lá bem qual, por certo um bem lá trás para saber quem é? Como possível será que se precise de justificar o próprio nome com o nome de outrem, ou ações de outrem, como se eu fosse fruto de apenas o que outros fazem, ou fizeram. Mais ainda, quando se trata de ações tão longínquas! 

Há pois quem justifique a sua miséria pela miséria do nome, ou do sangue que lhes corre nas veias, quando se Cansaço há é por uma corrida própria. E está a contar, como num táxi que vai no seu caminho e enquanto não pára segue e soma. Se se cansa ou não depende do gosto. 

Há ainda quem não tendo justificações para apresentar queira encontrá-las, à força, no nome, apelido nem que para isso vá ao fundo do baú e apanhe uns pós que o fazem espirrar ao ponto de um espirro ter outra justificação a do nome comum. 

Há quem prefira inverter a ordem e nunca se quer mencionar o nome próprio, será vergonha? Será falta de identidade ou excesso dela? Será que representa uma personagem tipo? 

Eu, sou do tipo que tem nome, o primeiro e próprio: Cansaço. Sem justificações, nem pretensões, com apenas um custo: a minha própria corrida.