Cidade maior, que Ulisses quis para si, porto de abrigo para quem se espalha na tua costa e para onde o Tejo corre despedindo-se da vida. Tens a luz única dos iluminados.
Lisboa,
és mãe, madrasta, viúva e filha. Mãe para quem acolhes, madrasta para quem teve de partir e viúva de quem não mais voltou. És a filha esquecida que se tornou mulher e a quem a idade com ouro cobiça as tuas partes mais desejadas.
Na pena do MEC, cada avião que te deixa faz birra e vira-te as costas. Na verdade, quem foge prefere não olhar para trás.
Acolhes quem te procura e te conserta por dentro. Mesmo assim segues obra imperfeita e inacabada.
Deixas que outras línguas te pisem para seres um mero caso, um affair de fim de semana ou o quer que seja enquanto lhes serves tesouros em forma de nata.
És Santa Maria, Maior e de todos os santos que vagueiam pelas tuas sete colinas entre pecados e virtudes. Cada um com a sua agenda, a sua história, a sua verdade. Cada um procurando uma razão para ficar. Uma razão para voltar.
Tens porta aberta para o Atlântico e daí para o mundo e deste o nome ao Santo que Pádua recusa nomear.
Há mais de seis séculos que recebes cheiros e sabores do mundo, num gesto simples, repetido a cada dia quando temperas com caril, canela e açafrão.
De Belém a Santa Apolónia, cavalos de ferro atravessam e cruzam a floresta branca levando quem mudou o futuro e deixou alguém a encharcar as calçadas de sal por esperar tantas e tantas vezes.
Por mais que o Tejo lute contra o mar, por mais que o chão trema, por mais que o Sul esteja à distância de um Cacilheiro, segues segura e serena, caminhando sem cair, navegando sem naufragar.
Lisboa,
és a obra maior que se constrói dia a dia. Podem deixar-te, amar-te, agredir-te, mas ninguém te consegue resistir.
Segues de braços abertos para cada visita, para cada regresso. Para cada recomeço.
Lisboa,
parti enquanto dormias, envolta no sossego da noite e no embalo do Tejo.
Atravessei-te antes que acordaras e me disseras para ficar.
Ao rasgar o céu vi o sol nascer do ar.
Disse-lhe: já vens tarde.