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Poema

Não quero morrer devagar

Na verdade, ninguém quer, mas…

Morre-se devagarinho quando a esperança se esvai do olhar.  

Morremos um pouco quando acreditamos que o amanhã não supera o passado.

Morre quem se esquece do que é capaz, do quão alto as suas gargalhadas podem soar, 

Do quanto um sonho pode guiar uma noite, um dia, o resto da vida. 

Morremos quando nadamos para fora de pé sem um plano B, C, D ou quaquer outra letra que ainda nos falte citar.

Morremos quando prescindimos de dar o primeiro passo, e realizamos que somos semente sem fruto.

E assim se morre, gota a gota, pouco a pouco, pedaço a pedaço…

Mas no fim de contas, o fim da vida é a morte.

E morre quem na verdade quer deixar de viver.

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Poema

O tal do facto

poderia dizer que seria melhor que não tivesse acontecido

mas estaria a mentir com quantos dentes tenho na boca

com quantas células tenho no meu corpo

com quantos fios de cabelo tenho no meu couro cabeludo

com quantas vezes bateu o meu coração 

entre uma eternidade e outra

porque de facto é melhor a saudade 

do que a inexistência

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Poema

Timeline

 

tens ganas de me ver 

noutra vida

fazes-te sentir nesta

e agendas novo encontro

para a tal

próxima vida

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Poema

Não tenho feitio para conversas sobre o tempo

não tenho feitio 

para conversas sobre o tempo

mesmo que o tempo seja bom

ou se por outro lado

tão mau que possa ser notícia

não tenho absolutamente feitio 

para conversas sobre o tempo

prefiro senti-lo

fazer dele um bom partido

e concretizá-la em ações


de boas conversas 

está o mundo cheio

ou será de intenções?

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Poema

Uma coisa banal como o reflexo

um instante

num instante 

num abrir e fechar de olhos 

encontro-me 

e percebo que já não me reconheço 

nesse instante 

abro e fecho os olhos 

incrédula por me ver

em me ver 

em me encontrar 

em instantes 

olho novamente 

observo 

e fecho os olhos para ver melhor

instantaneamente 

percebo que me ignorei 

voltei a ignorar 

e segui ignorando-me 

tantas vezes 

demais

por demais 

ao ponto de já não mais me reconhecer 

quando me vejo

revejo 

ou melhor 

quando abrindo os olhos

fecho 

para ver melhor

nesse instante 

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Conto Poema

Lisboa

Cidade maior, que Ulisses quis para si, porto de abrigo para quem se espalha na tua costa e para onde o Tejo corre despedindo-se da vida. Tens a luz única dos iluminados.   

Lisboa, 

és mãe, madrasta, viúva e filha. Mãe para quem acolhes, madrasta para quem teve de partir e viúva de quem não mais voltou. És a filha esquecida que se tornou mulher e a quem a idade com ouro cobiça as tuas partes mais desejadas. 

Na pena do MEC, cada avião que te deixa faz birra e vira-te as costas. Na verdade, quem foge prefere não olhar para trás. 

Acolhes quem te procura e te conserta por dentro. Mesmo assim segues obra imperfeita e inacabada.

Deixas que outras línguas te pisem para seres um mero caso, um affair de fim de semana ou o quer que seja enquanto lhes serves tesouros em forma de nata.

És Santa Maria, Maior e de todos os santos que vagueiam pelas tuas sete colinas entre pecados e virtudes. Cada um com a sua agenda, a sua história, a sua verdade. Cada um procurando uma razão para ficar. Uma razão para voltar. 

Tens porta aberta para o Atlântico e daí para o mundo e deste o nome ao Santo que Pádua recusa nomear.

Há mais de seis séculos que recebes cheiros e sabores do mundo, num gesto simples, repetido a cada dia quando temperas com caril, canela e açafrão. 

De Belém a Santa Apolónia, cavalos de ferro atravessam e cruzam a floresta branca levando quem mudou o futuro e deixou alguém a encharcar as calçadas de sal por esperar tantas e tantas vezes. 

Por mais que o Tejo lute contra o mar, por mais que o chão trema, por mais que o Sul esteja à distância de um Cacilheiro, segues segura e serena, caminhando sem cair, navegando sem naufragar.

Lisboa, 

és a obra maior que se constrói dia a dia. Podem deixar-te, amar-te, agredir-te, mas ninguém te consegue resistir. 

Segues de braços abertos para cada visita, para cada regresso. Para cada recomeço.

Lisboa,

parti enquanto dormias, envolta no sossego da noite e no embalo do Tejo.

Atravessei-te antes que acordaras e me disseras para ficar.

Ao rasgar o céu vi o sol nascer do ar.

Disse-lhe: já vens tarde.

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Poema

existe um poema 

que não é meu

nem teu

podia ser nosso

existe um poema

que se esqueceu do nome

e não sabe bem onde

esqueceu os seus versos

existe um poema

com tacto e gosto

literalmente meu

vagamente teu

existe esse mesmo poema

de tinta sem cor

de amor preenchido 

com vida nos versos

existe um poema

aquele poema

que aconteceu, existe 

e ninguém o escreveu

existe um poema 

dois corações

emoções mais que muitas

existimos

existe este poema 

um poema

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dito por ela

ela disse

que disse ela?

ela disse

e disse

ponto

ela disse

voltou a dizer

disse e reforçou

disse ela

o que disse

foi

exatamente

o que ela disse

ela disse

que disse ela?  

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Escreve-me


Já bebi o suficiente para dizer que tenho saudades tuas.

Ignora. 

Sobretudo,

se o teu estado for diferente do meu.


Entretanto,

se te afogares na bebida 

e te lembrares de mim, 

escreve-me. 


Mesmo que para me dizer: 

Já bebi o suficiente para dizer que tenho saudades tuas. 

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Três pequenos poemas para três tristes tristes

“O céu está nuvelado.

Também eu estou nuvelado.”

– Diz um senhor ao cão que passeia.

.

.

.


Não insisto com a minha memória.

De momento, não tem nada para me dar.

.

.

.

A vida são dois dias.
Três em anos bissextos.