“Pára. Já percebi a mensagem. Ainda não chegámos aí.” Assim comecei a conversa contigo, memória do futuro. Minha querida e indelicada memória do futuro. Ou deveria mesmo dizer minha tão amada, fugaz, insana e incomoda memória do futuro.
Poucas são as vezes que acontece, mas aconteceu há um ano. Vi-o, encostado à parede branca da sala e soube que estaria hoje no chão de corpos colados. Numa manhã de inverno, entrava um raio de sol pela janela direto a ele, realçando a barba e o cabelo castanho claro. Longe de imaginar que seria abordada por uma memória do futuro, quando de facto fui, aconteceste. Um flash do futuro a dourar um primeiro encontro. Desengane-se quem pensa que fui abordada por um déjà-vu. Nenhum déjà-vu dá concretamente uma imagem de dois corpos fundidos no chão de madeira e um tapete fofo ao lado, de uma casa que desconhecemos, com cheiro a pele fresca e sensação húmida de corpos colados. Nenhum déjà-vu me traz sabor, fogo e definição. Quando me avassalaste, memória do futuro, soube que estaria com ele hoje, aqui, no chão de corpos colados entre ti, memória, e ele. Tinha, há um ano, acabado de chegar à sala, ao trabalho novo, à minha vida. Num sopro do fogo que me inundou o corpo percebi que não poderia escapar a este futuro. E foste tu memória que me traçou o caminho.
Expliquei-te que não poderia ser. Expliquei-te com vários e diversos pontos, bastante detalhados, que me dei ao trabalho de anotar, escrever, rescrever e corrigir meses a fio num longo documento, quase um contrato entre nós, em como tu serias capaz de sair da minha vida e com isto mudar o futuro, tranquilizando-me. Porém, não assinaste o contrato que hoje, está na minha secretária guardado entre tantos documentos arquivados. E hoje, estou aqui. Arquivaste a minha vontade de mudar o futuro. E colocaste o teu plano em prática quando 6 meses depois de me avassalares tu, ele fez o mesmo colocando-me contra a parede sussurrando ao meu ouvido: “Pena não termos mais momentos destes.”. Vi-te memória. Aqui. E com medo respondi: “Momentos deste como assim? Queres que te passe mais vezes as impressões de (pausa) de, (olhei para os papéis) de assinaturas de presença? Convenhamos que há coisas mais interessantes para fazer.”. E com isto saí. Achando portanto que o tinha desviado da minha vida e te tinha passado uma rasteira.
Verdade, que tu escreves direito por linhas tortas e por isso, marquei presença numa das folhas dele, desta vez não entre a espada e a parede, mas na apresentação de um dos seus mais recentes projetos. Com medo de ser notada, assinei, sem o último nome, e saí. Claro está, que não me poderias deixar em paz e sei que deves ter arranjado uma forma dele ter reparado que eu estava em fuga e quando chegou até mim sussurrou-me, como outrora o fizera: “Último nome é requerido, contato de email e só para mim contato de telemóvel.”. Perfeito. Estiveste muito bem, devo dizer-te. Fui apanhada desprevenida assinei e segui. Dia seguinte uma mensagem no telemóvel desenrolou o fio que há muito estava enrolado. Uma mensagem puxou a outra e um beijo levou ao outro.
Posso dizer-te que és demasiado inconveniente, sabias que isto não era possível acontecer sem que eu saísse desta situação sem marcas. Mesmo assim, quiseste manter-te como inalterável levando o futuro ao presente e agora, neste preciso momento, em que mais preciso de ti para me ajudares a levantar deixas-me sem ti, apenas ele e sem palavras para lhe responder. Sendo que ele adianta-se dizendo: “vou aceitar outro trabalho e” interrompo dizendo: “Pára. Já percebi a mensagem.”. Isto para ele, já para ti: feliz?! Chegámos finalmente aqui.